A Primeira e a Última Lição

22 de Abril de 2021 Não Por JORGE Baldez

Interestelar é um filme anglo-americano de ficção científica, lançado em 2014 e dirigido por Christopher Nolan, mostrando a saga de um grupo de astronautas, que viajou através de um buraco de minhoca (wormhole) à procura de um planeta igual ao nosso; orbitando a uma distância segura de uma estrela semelhante ao Sol, na esperança de encontrar o fundamental para a vida: água.
Buraco de minhoca é um nome popular dado a solução exata das equações de Einstein, para relatividade geral. É frequentemente descrito pelos seriados de ficção científica como sendo capaz de nos levar para outros pontos do espaço e até mesmo do tempo. Os buracos de minhoca podem ser visualizados como túneis com duas saídas, que separam pontos distintos do espaço-tempo. De acordo com as equações, esses pontos podem tanto estar localizados no mesmo universo como em universos distintos. Teoricamente, um buraco negro supermassivo é capaz de produzir um buraco de minhoca, segundo o físico britânico Stephen Hawking.
O planeta Terra está com graves problemas: tempestades de poeira estão deixando o ar quase irrespirável; pragas que destroem as nossas plantações, deixando a raça humana com grande necessidade de um novo lar.
Em uma tentativa desesperada de encontrar esse novo lar, astronautas liderados por Joseph Cooper se aventuram em um buraco de minhoca perto de Saturno, emergindo a anos-luz de distância em Miller, um planeta oceânico próximo a um buraco negro supermassivo conhecido como Gargântua.
Esse é o enredo do filme interestelar. Nessa época, seria inconcebível para os cientistas a existência de planetas nas proximidades dos buracos negros, pois eram conhecidos como verdadeiros destruidores de planetas.
Em sua Teoria Geral da relatividade, Albert Einstein nos disse que o espaço e o tempo estão entrelaçados em um tecido chamado espaço-tempo contínuo. O tempo não é absoluto, mas relativo à gravidade, ou seja, quanto mais próximo do buraco negro, mais lentamente passa o tempo. Um buraco negro não apenas distorce espaço ao seu redor, mas também o tempo. Por exemplo: um pouco mais de três anos (1000 dias) que se passam na Terra, apenas um dia se passa no planeta Miller. Esse efeito, conhecido como “dilatação do tempo”, constitui um ponto importante do filme, pois uma hora transcorrida no planeta Miller, teríamos o equivalente a sete anos transcorridos na Terra.
Entretanto, o que nos parecia uma impossibilidade, uma ficção, no ano de 2014, torna-se uma possibilidade com o Prêmio Nobel de Física 2020, concedido aos cientistas, Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez pelas pesquisas sobre buracos negros, — um lugar no espaço onde a gravidade é tão forte que nem a luz consegue escapar, sendo assim, a última saída de um buraco negro é o horizonte de eventos, ou seja, é a última fronteira entre o que os cientistas podem observar e o que ainda não podem. Por isso, muitos cientistas dizem que estamos vivendo em um Multiverso- uma teoria na qual existem vários universos coexistindo junto com o nosso universo e todos eles poderiam estar conectados através dos buracos negros.
No ano do lançamento do filme interestelar o que a ciência sabia sobre os buracos negros era que estes se formavam, quando estrelas de grande massa morriam; sua atração gravitacional era tão extrema que se transformavam em gigantescas portas cósmicas. Aproxime-se deles e você será despedaçado sem chances de escapar. Portanto, seria um cenário irreal para o desenvolvimento de vida – como o planeta Miller, alcançado pelos astronautas na trama do filme.
Atualmente, com os novos conhecimentos, abriu-se a possibilidade da formação de  planetas em torno dos buracos negros supermassivos. Os pesquisadores preveem mais de 10 mil planetas em torno de buracos negros.
Portanto, queridos irmãos a nossa jornada aqui na Terra é marcada a cada época com um evento científico novo – descobertas que testificam a nossa evolução no âmbito da inteligência.
Da ciência para  uma canção popular:
Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia…
Tudo passa, tudo sempre passará.
Tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo.
Tudo muda o tempo todo no mundo…
A ciência e o popular contextualizados à luz do Evangelho: “Cada época é assim marcada pelo cunho da virtude ou do vício que a devem salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual, seu vício é a indiferença moral.”
“Os homens cultos e inteligentes, segundo o mundo, fazem geralmente tão elevada opinião de si mesmos e de sua própria superioridade, que consideram as coisas divinas como indignas de sua atenção. Preocupados somente com eles mesmos, não podem elevar o pensamento a Deus. E, se concordam em admiti-la, contestam-lhe um dos seus mais belos atributos: a ação providencial sobre as coisas deste mundo, convencidos de que são suficientes para bem governá-lo. Tomando sua inteligência como medida da inteligência universal, e julgando-se aptos a tudo compreender, não podem admitir como possível aquilo que não compreendem.”
Se nós, simplesmente, não admitimos a existência do mundo extrafísico e um poder extra-humano, com certeza, não é por que isso esteja fora do nosso alcance, mas porque o orgulho que nos aprisiona se revolta à ideia de qualquer coisa a que não possamos sobrepor-nos ou que nos obrigaria a descer do nosso pedestal. O orgulho é a venda que nos tapa os olhos.
Quando Moisés subiu ao Monte Sinai, para receber os mandamentos da Lei de Deus, os judeus lá em baixo, rapidamente, abandonaram o verdadeiro Deus. Entregues a si mesmos, logo construíram um bezerro de ouro, que adoraram. Hoje, o mundo civilizado, faz a mesma coisa. Cada um de nós, guiado pelo fanatismo, construiu um deus de acordo com a sua vontade: para uns, terrível e sanguinário; para outros, indiferente aos interesses do mundo. É o bezerro de ouro, o deus, adequado aos seus gostos, ideias e para atender aos próprios interesses.
Portanto, o orgulho não só impede-nos de ver, mas faz florescer na alma ervas daninhas, os vícios, e, quando estes florescem e se instalam no coração do homem, a vida transforma-se em um constante tormento.
Quais são os vícios causados pelo orgulho?
— Paixão pelos bens materiais, inveja, ciúme, egoísmo, vaidade e tantas outras deficiências… Eis, pois, a fonte de todos os nossos males. Ele é o pano de fundo e motivo de quase todas as nossas ações. É o orgulho, incontestavelmente, o que leva o homem a disfarçar os seus próprios defeitos, tanto morais como físicos.
E continuamos com os nossos “bezerros de ouro”, criando polêmicas infrutíferas – características dos ególatras que ainda somos. Assim, os estudiosos do evangelho defendem que as narrativas dos Evangelhos de Lucas e Mateus, quanto ao nascimento de Jesus, são históricas e contraditórias.
Lucas 2:7 — E deu à luz a seu filho primogênito, e o enfaixou e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Era um costume hebreu envolver as crianças recém-nascidas em faixas para aquecê-las e limitar seus movimentos, porque acreditavam que isso garantia braços e pernas fortes.
Nas cercanias de Belém, os pastores foram informados por um anjo que o emissário divino acabara de nascer e que haveriam de encontrá-lo numa manjedoura. Outros anjos, num coro celestial, entoaram um glorioso cântico: Glória a Deus nas Alturas, paz na Terra aos homens de boa vontade. Esse foi o acontecimento mais importante e sublime – um marco do renascimento espiritual da Humanidade.
Desta forma, logo ao nascer, Jesus exemplifica a SUA primeira lição: simplicidade e humildade. Preferiu nascer longe do poder em uma simplória província do império, afastada de Roma, filho de um simples carpinteiro.
Por que Jesus não nasceu filho de um imperador romano? Teria assim todas as facilidades do poder para o desempenho de sua missão, pois usaria as poderosas legiões romanas para o cumprimento de seus ensinamentos, impondo aos homens a vontade de Deus. Não deitaria ao relento repousando sobre a relva e as pedras do caminho; não usaria singelas sandálias e andrajos para vestir-se; nem andaria longas distâncias vencendo à pé as dificuldades e intempéries da jornada. Ao invés, teria leitos suntuosos e macios, roupas cintilantes e confortáveis, meios de transporte para locomover-se mais rapidamente, cercado não só dos discípulos, mas de soldados romanos e serviçais.
Jesus não veio para usufruir das riquezas terrenas, mas para nos ensinar como acumular as riquezas do espírito. As riquezas terrenas são empréstimos transitórios, tal não acontece com as riquezas espirituais. Foi claro: “Porque onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração.”
Pediu para sintonizarmos os nossos corações aos bens imperecíveis da alma, que são: a benevolência, a prece, a fé, a esperança, a indulgência, a abnegação, a pureza de pensamentos e palavras, a caridade.
Ao contrário do que se acredita, Jesus não condena as riquezas. As riquezas utilizadas para fazer o bem de acordo com a vontade divina impulsionam o progresso em nosso mundo, promovendo:
O progresso material, criando bem-estar e conforto para todos;
O progresso intelectual, desenvolvendo-se as artes e as ciências;
O progresso espiritual, proporcionando aos detentores de riquezas os meios para a prática do bem em larga escala.
Charles “Chuck” Feeney empresário irlandês-americano, cofundador da Duty Free Shoppers Group, bilionário de 89 anos que sempre sonhou em doar, ainda em vida, toda a sua fortuna de US$ 8 bilhões (45 bilhões de reais) para fins beneficentes através de sua fundação Atlantic Philanthropies. Ele doou durante 40 anos, encerrando a sua excepcional missão em 14 de setembro de 2020. As suas ações filantrópicas eram de forma anônima, com um mínimo de visibilidade.
Charles Feeney: “Morrer rico é morrer em desgraça.” Vive com sua esposa de forma simples em um apartamento de dois quartos em São Francisco, não tem carro e usa um relógio casio de 8 euros. Sua generosidade influenciou Bill Gates e Warren Buffet que lançaram o Giving Pledge(compromisso de doação) em 2020: uma campanha para convencer os mais ricos do mundo a doarem pelo menos a metade de suas fortunas antes de morrer. Você doaria?
Na época de Jesus, os líderes religiosos eram detentores de grandes fortunas, em flagrante contradição entre o que pregavam e a realidade das suas vidas. Jesus não só esteve entre nós, caminhando lado a lado conosco, sujando as suas sandálias com o pó da terra, como vivenciou na íntegra a sua mensagem. Por isso foi único.
Nunca recusou a convivência com a chamada gente de má vida. Demonstrou, desde a manjedoura, que o caminho para o reino dos céus requer: despojamento dos interesses humanos; das ambições; do comprometimento doentio com o poder e as riquezas.
A humanidade ainda não assimilou que o valor de um ser humano não pode depender da sua profissão, do dinheiro que possui, da posição social que ocupa; da sua origem ou do poder que ostenta. Mas, pelo seu empenho de vivenciar uma conduta ética e comportamental capaz de contribuir para a harmonia e bem-estar da sociedade na qual vive.
Portanto, em qualquer ano ou século, não importa saber se as informações de Lucas são rigorosamente exatas; se Jesus nasceu em dezembro ou não; em Belém ou Nazaré; o que devemos saber é se já aprendemos a primeira lição: simplicidade e humildade. Se o primeiro ensinamento já está no santuário dos nossos corações e em curso no dia a dia dos pensamentos, palavras e ações.
O perdão é um dos capítulos mais singelos e mais importantes dos ensinamentos e exemplos de Jesus. ELE sabia das graves lesões que os ressentimentos produziam na alma humana e que somente o perdão seria capaz de libertar a criatura humana da escravidão de suas mágoas ou de seus remorsos. Jesus tinha consciência do atraso espiritual da humanidade e, por isso, sinalizou o caminho que todos nós deveríamos trilhar para a mudança de paradigmas, para a modificação de conceitos e comportamentos que dessem ao ser humano melhores condições de sermos felizes. A felicidade, então, seria o resultado de uma pureza espiritual – Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Mateus, V:8.
Assim, as condições fundamentais e imprescindíveis para conquistarmos a pureza de coração são as virtudes do primeiro ensinamento de Jesus: Simplicidade e Humildade, sentimentos que excluem todo pensamento de egoísmo e orgulho.
Portanto, a simplicidade, a humildade e o perdão entrelaçam-se, construindo o alicerce para edificarmos no sentimento mais sublime que é o amor, base fundamental para a psicologia profunda e transformadora de Jesus; e não reformadora de exteriores, moralista – como aplicam, equivocadamente, hoje, os seus ensinamentos.
Jesus desejava aliviar a nossa alma do peso das mágoas, dos rancores, dos complexos de superioridade e inferioridade, dos sentimentos de culpa e da autopunição. Dessa forma, a proposta de Jesus do perdão é libertadora. Perdoar é expressar a arte de amar. A arte do perdão foi um dos seus mais importantes ensinamentos. Jesus vivenciou a arte de perdoar: quando rejeitado, ferido, zombado, injustiçado por nosso escárnio e indiferença e, por fim, crucificado; encerrando a SUA passagem aqui na Terra, exemplificando a última lição: “Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem.”
A visão poética de Maria de Eça de Queirós um dos mais importantes escritores portugueses do século XIX, pode ser lida no romance A relíquia e sobre a crucifixão de Jesus relata que: “Por vezes do madeiro desprendia-se, como uma cereja muito madura, uma grossa gota de sangue: um serafim recolhia-a nas mãos e ia colocá-la sobre a parte mais alta do céu, onde ela ficava suspensa e brilhando com o esplendor duma estrela.”
Referências:
1- O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo VII – Bem-aventurados os pobres de espírito(Mateus, V:3).
2-  Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos buracos negros/Stephen W. Hawking; tradução de Maria Helena Torres. Ed. Rocco, 1988.
3-  A Teoria do Tudo: a extraordinária história de Jane e Stephen Hawking/Jane Hawking; tradução de Sandra Martha Dolinsky e Júlio de Andrade Filho.- são Paulo: Única Editora, 2014.
4-  O Universo Numa Casca de Noz/Stephen Hawking; tradução de Ivo Korytowski. – São Paulo: Editora Mandarim, 2001.
5-  A relíquia/Eça de Queirós — São Paulo: Via Leitura, 2017.