O olhar da Espiritualidade

25 de Março de 2020 2 Por JORGE Baldez

             O Feitiço de Áquila é uma fábula romântica e simbólica do filme dirigido por Richard Donner em 1985, cujo título original é Ladyhawke — A Mulher Falcão. A estória se desenvolve na Itália do século XII na Idade Média, quando uma mulher chamada Isabeau D’Anjou veio viver em Áquila, após a morte de seu pai. Todos os que a viam apaixonavam-se por ela, graças a sua encantadora beleza, inclusive o poderoso e corrupto Bispo de Áquila que, acidentalmente, descobre que a sua amada Isabeau está apaixonada por um cavaleiro da sua guarda, o capitão Etienne de Navarre, com quem ela secretamente se encontrava. Enciumado, o bispo resolve lançar uma maldição sobre o casal, na qual ela transforma-se em falcão ao raiar do dia; e, ele assume a forma de lobo ao cair da noite. Somente ao amanhecer, um pouco antes do surgimento dos primeiros raios de sol, é que os amantes conseguem olhar um para o outro em forma humana por um momento fugaz, mas nunca podem tocar-se, porque Navarre perde a forma de lobo e transforma-se em homem e Isabeau perde a forma humana e voa para os céus como um falcão, assim eles estariam sempre juntos, mas eternamente separados.
Felizmente, para Isabeau e Navarre a maldição foi desfeita, graças ao velho monge Imperius e seu ajudante conhecido como “O Rato” — um jovem ladrão condenado à execução que, astuciosamente, escapou das masmorras de Áquila. O monge descobriu que nos próximos três dias haveria um eclipse solar, que criaria um dia sem noite e uma noite sem dia, momento único, no qual os amantes ficariam juntos em forma humana. A magia só seria anulada se o casal conseguisse entrar no castelo; para isso, tiveram a valiosa ajuda do jovem ladrão, e, frente a frente, cruzassem o olhar com o bispo. É óbvio, que conseguiram, portanto, mais um final romântico e feliz!
O mundo que hoje vivemos, especialmente o nosso colossal país, o Brasil, está sob uma poderosa magia tão ou mais cruel que a dos amantes de Áquila, uma vez que são milhões de brasileiros enfeitiçados. Encontraremos uma solução?
—- Sinceramente, não sabemos; mas, uma certeza nós temos: os “ratos” não estão ajudando a desfazer o feitiço, como o jovem ladrão o fez na fábula de Áquila, ao contrário, a cada dia, fortalecem-no para atenderem aos próprios interesses. Audaciosos, vão além da gatunagem, fomentando as divisões: mulheres contra homens; pobres contra ricos; empregados contra empregadores; heterossexuais contra homossexuais, enfim socializaram o ressentimento e o ódio na população brasileira.
Cientes, então, da magia que nos contamina compete-nos encontrar uma solução sem confrontações, portanto, pacífica, sem julgamentos e preconceitos. Mas, como encontraremos algo tão improvável de existir? Onde encontrar essa luz para guiar-nos? Onde será o ponto de encontro, se vivemos em uma época em que não existem indicadores claros, valores e modelos a seguir, nenhuma ética de crescer, conviver, tampouco uma visão de responsabilidade? Nesta era dita moderna, tecnológica e definida por situações de plena desagregação: da família, da comunidade, da religião, pela falta de indicadores seguros de crescimento social, psicológico, espiritual e ético-comportamental. Mais: povoada por jovens que tentam encontrar um sentido de tudo isso — a maioria acaba decidindo por trilhar caminhos ilusórios…
A sociedade moderna é “sentimentalmente atrofiada” – quero dizer que perdemos o senso de valores essenciais: solidariedade, gentileza, gratidão e respeito ao próximo e à natureza. Estamos minando e destruindo não só o solo íntimo da alma; quanto o solo da mãe Terra que nos abriga e alimenta. Não conseguimos nos integrar, nem integrar o mundo em nossa vida.
A maior preocupação são aqueles que vivem como os personagens dos romances de Kafka, ou seja, levando vidas petrificadas, como sonâmbulos no convívio social, evidenciando a incapacidade de extrair sentido da vida, do mundo e dos fatos. Viktor Frankl descreve esse estado como um “vácuo existencial”.
O nosso feitiço torna-se visceralmente preocupante quando esse vazio é preenchido pela inebriante literatura do século XX: a “alienação” e a “má-fé”, de Sartre; a “doença da morte”, de Kierkegaard; e, principalmente a “falsa consciência da burguesia, de Marx. A magia torna-se mais poderosa porque ainda existe em nós muito egoísmo, orgulho e desamor.
Infelizmente, um simples olhar não será capaz de desfazer essa poderosa maldição, como ocorreu no feitiço de Áquila; necessitaremos de um olhar mais profundo — O olhar da Espiritualidade – que nos transporte a uma dimensão transcendente dentro da experiência humana; que nos permita criar o nosso próprio caminho; e, não apenas, seguir cegamente o caminho criado por outros, tão ou mais cegos que nós… Por isso, necessitamos do olhar que nos conduza a um despertar para atitudes éticas e aos valores morais, enquanto seres psicossociais e espirituais que somos.
É a busca do melhor significado para o nosso papel nos meios sociais nos quais vivemos: escola, trabalho, família, nas comunidades e cidades onde habitamos, conquistando equilíbrio nestes variados ambientes; e, não, simploriamente, fixando-nos em crenças duvidosas e modelos fanáticos de ideologias perturbadas.
Yung deixou-nos o legado da sua obra Psicológica e Científica, mas nem por isso ficou insensível à espiritualidade, cuja ressonância atual é extraordinária, porque se tem uma coisa que os 7,7 bilhões de habitantes do nosso planeta necessitam com brevidade é a busca da Espiritualidade. Coube ainda a Yung o mérito de ter demonstrado que a espiritualidade não é monopólio de nenhuma religião. A espiritualidade pertence à intimidade da criatura humana.
O texto escrito por Pierre Teilhard de Chardin nos sinaliza muito bem a profunda diferença entre religião e a espiritualidade, quando afirma: a religião não é apenas uma, são centenas; a espiritualidade é apenas uma; a religião é para os que necessitam de alguém para os conduzirem e serem guiados; a espiritualidade é para os que escutam a sua voz interior e criam seu próprio caminho; a religião tem um conjunto de regras dogmáticas; a espiritualidade te convida a raciocinar sobre tudo e questionar tudo; a religião é causa de divisões; a espiritualidade de união; a religião crê na vida eterna; a espiritualidade nos faz conscientes da vida eterna. E, conclui: Não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual, somos seres espirituais passando por uma experiência humana.
Portanto, é aquela dimensão que existe no íntimo da nossa alma que nos faz questionar: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? O que estamos fazendo aqui? O feitiço que nos envolve alcança tanto a nossa dimensão física com a qual estamos presentes neste universo, alimentando-nos com a ilusão dos efêmeros bens materiais; quanto a psíquica, nos transformando em fanáticos; aumentando o abismo entre a matéria e o espírito e o nosso desconhecimento dos seres espirituais que somos.
Estamos mergulhados em um mar de energias. As observações de Gregg Braden, que é um cientista da nova era, afirmam de maneira lúcida que a ciência já provou através da Física Quântica que somos energia e que estamos conectados através da nossa vibração. Há um campo de energia que conecta tudo o que fazemos, somos e experimentamos. Quando um certo número de pessoas se reúne e escolhem um momento para criar uma emoção com fervor em seus corações, esta emoção pode literalmente influenciar, intencionalmente, as áreas que sustentam a vida do nosso planeta. Pois bem: todas as coisas do mundo estão ligadas às outras coisas. Isto significa dizer: estamos realmente conectados! Não confundir com What’s  App, Instagran ou Facebook que nos transforma em pessoas insensíveis “prisioneiros virtuais” e nos deixa cada vez mais distantes uns dos outros…
Como estamos envolvidos de energias e somos energia nos compete utilizá-la da melhor maneira possível, trabalhando o nosso ser, a intimidade da nossa alma em busca da reforma íntima, da nossa transformação de dentro para fora, alcançando vibrações do bem, da paz, dos valores morais, até atingirmos o ápice dos sentimentos que é o amor. É essa dimensão do ser que chamamos Espiritualidade. É esse arquétipo que, segundo Yung, eleva o ser humano acima do próprio Universo.
Se nós não conseguirmos resgatar a nossa espiritualidade, ou seja, os valores não materiais, um sentimento que pertencemos a algo maior e a percepção que estamos unidos, conectados uns aos outros por essa energia condutora que nos une e nos liga ao universo, ao infinito que é Deus em nós, pois ELE não está fora mas no íntimo de todas as coisas que fazem parte do Universo, aqui e além das estrelas e galáxias… Então, o feitiço nos destruirá…
É tarefa da Espiritualidade promover o nosso diálogo com Deus através dos nossos pensamentos, palavras e ações. Como afirmou Pascal: “Crer não é pensar em Deus, crer é sentir Deus”. E essa é uma experiência tão significativa em nossas vidas, que não poderemos negá-la, sem negar a nós mesmos.
É urgente e imprescindível resgatarmos – O olhar da Espiritualidade- para anularmos, desfazermos o feitiço; e, construirmos um novo caminho de paz, felicidade e progresso!!
Referências:
1- Inteligência Espiritual. Danah Zohar e Ian Marshall
2- A Matriz Divina. Gregg Braden